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Lazy Cat

No meu cérebro vive um caos sinfónico de ideias desordenadas. Num harém simbólico, todas concorrem -APENAS- pelo teu olhar deslumbrado...

Lazy Cat

No meu cérebro vive um caos sinfónico de ideias desordenadas. Num harém simbólico, todas concorrem -APENAS- pelo teu olhar deslumbrado...

Luz Violeta

Fevereiro 18, 2008

 

 

 

 

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- Nããããoo!

 

O grito ecoou pelo prédio inteiro, enquanto Manuel acordava de um sonho, coberto de suor e se sentava sem saber bem como na cama.

 

Acenderam-se luzes nos quartos dos apartamentos vizinhos, perguntou-se baixinho o que seria, olhando ainda estremunhados os casais um para o outro, sentindo o coração bater cada vez mais depressa e disparar, cavalgar loucamente pelas estradas do medo.

 

- Que foi isto? Quem gritou assim? Perguntou Manuela ao marido. – Que terá acontecido?

 

Manuel encostou-se às almofadas, respirando com dificuldade. Escorria-lhe suor pela cara abaixo, o pijama estava encharcado. As mãos tremiam-lhe se que as pudesse parar e as lágrimas misturadas com o suor salgado faziam-no parecer um espectro, sem cor e de olhos alucinados. Apertou os joelhos com os braços, tremendo sem parar, gemendo algo ininteligível, murmurando torturas com o olhar. Procurou a parede, a janela, e ver para além dela, a luz pálida do luar. Estava branca, a lua.

 

Não tinha noção do tamanho do grito nem da onda de terror que provocara. Não sabia que nas casas vizinhas havia ainda luzes por apagar, mulheres que se encostavam aos maridos, a cabeça a latejar, presas ao horror do grito que as fizera acordar. Havia gente sozinha, de luzes acesas a tentar esquecer, a tentar fechar os olhos e adormecer. Porque sempre se adormece sozinho, por mais gente que se tenha ao lado, o caminho do sono é solitário, assim como o da morte ou o da vida.

 

Alguns reviveram medos de infância, que pensavam ter ultrapassado, outros ficaram de olhos abertos, na esperança de perceber, pelos ruídos do prédio, o que podia ter-se passado. Mas Manuel mantinha-se imóvel, olhos postos na lua, branca, branca e fria. Afinal só tinha sonhado, era a sua casa, a sua cama, o seu mundo e ainda vivia. Aos poucos o corpo foi-lhe obedecendo e voltou a prender os fios de pensamento, a dirigi-los em vez de se deixar levar por eles.

 

Este sonho repetitivo e insistente havia meses que lhe tirava o sono. Tirara-lhe a Sónia, tirara-lhe os filhos. Apenas lhe restava os comprimidos pequenos que o faziam cair num sono pesado. E não o impediam de sonhar. Ao longo dos meses construíra o puzzle, tinha sonhado cada fragmento, cada imagem, cada desenvolver de horror, sempre o fim.

Mas nunca tinha sonhado o princípio antes de hoje, e por isso gritara assim. Por isso o frio lhe gelava o corpo e a alma, por isso tremia sem fim.

 

Tanto quanto se conseguia lembrar, não havia relatos de terramotos neste país. Apesar de ter pesquisado, quando os sonhos o visitavam em noites distantes entre si, antes de perder a capacidade de raciocinar, não havia conhecimento de nada que pudesse fazer o mundo acabar assim. Convencera-se que o sonho era uma analogia, que retratava a sua vida e não a do mundo, e que, mais dia menos dia, sonharia o seu próprio fim.

 

Agarrou nos seus pequenos companheiros de viagem, agora que tinha sonhado o principio, talvez tivesse chegado o fim, e pudesse acordar de novo, para uma vida sem pesadelos insistentes, para um dia-a-dia comum, banal e rotineiro, que lhe parecia agora de todos, o destino mais desejado. Reviu a luz violácea que o fizer gritar, estremeceu.

Um copo de água, tomou os comprimidos, fechou os olhos e adormeceu.

 

 

Aos poucos foram sossegando as casas vizinhas, o escuro foi disfarçando as janelas. Levantou-se um burburinho lá fora. Uma onda de sons desconhecidos e inquietantes encheu o ar e todo o espaço, mas Manuel dormia sem sonhos, pela primeira vez em muito tempo, para ele nada disto aconteceu. E num clarão violeta gelado, perante os olhos dos satélites imediatamente obsoletos, o mundo inteiro desapareceu.

 

 

 

 

 

 

 

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