Casamento Árabe (continuação)
Outubro 11, 2007
Mas não tinha insistido muito. Pelos vistos não o suficiente. Talvez quisesse saber. Talvez no fundo ansiasse por notícias, por saber coisas que nunca iria perguntar. Talvez no fundo tivesse saudades, e deixá-la estar perto fosse a forma de também estar. Mas casar? E convidá-la para madrinha, sabendo que tinha jurado nunca mais pisar Casablanca, nunca mais se aproximar de Tânger. Casar no dia em que ela mesma partira, que ironia. Tentou esquivar-se como soube mas no fundo também sabia que ela não iria querer mais ninguém naquele lugar, naquele dia.
E finalmente chegou. Lembra-se do ar, quente que quase a impedia de respirar, da luz que a cegava e de não querer fechar os olhos, de não querer deixar de olhar. Tinha saudades daquela cidade. Dos cheiros, dos barulhos. Das cores das tendas, do souk, dos miúdos que lhe corriam atrás e a lhe chamavam “princesa”. Saudades das ruas estreitas, das lojas para turistas na frente, para os “amigos” nas traseiras. Saudades da força, apesar do sofrimento, de um povo que nada tem e vive como dono do mundo. Das crianças sorridentes, que acreditam ter um lugar e poder fazer a diferença neste mundo.
Passou a semana seguinte envolta em brumas. Entre escolhas de vestidos, de pulseiras, entre véus e ensinamentos da cerimónia à “estrangeira”. As poucas palavras aprendidas no deserto de nada lhe serviam. As vozes eram outras, as entoações diferentes e do que ouvia pouco ou nada percebia. Foi levada de loja em loja, de costureiro em costureiro.
Cada bairro a sua especialidade e como tal, para cada desejo uma parte da cidade. Aqui ninguém percebia nada de madrinhas, mas era desejo da noiva e não devia ser contrariada. Ser escolhida por um sultão, é honra rara ou nunca vista, sendo filha da Europa, branca e cristã. Nunca seria contestada, depois de tal façanha, ainda que por isso mesmo pudesse nunca ser amada.
Nunca fez a pergunta, sacudiu a cabeça de cada vez que o pensamento lhe acudiu e, entre véus, grinaldas cheiros e cores, chegou a noite da razão da sua vinda. As viagens pelas estradas de Marrocos são longas e cansativas e, ainda que de limousine, ainda que sabendo de antemão o que a esperava, não conseguiu resistir ao calor, às emoções mal digeridas e à longa e entediante viagem com uma companheira eternamente calada. Era a sua acompanhante. Devia ajudá-la e cuidar que não lhe faltasse nada. Não sabia uma palavra de outra língua que não a sua e, na verdade, agradava-lhe sentir-se ignorada. Embalada pelos altos e baixos da estrada, adormeceu, cansada.