Chegaram ao mesmo tempo. Eles na brincadeira, com o cão e as bolas, ele com um livro debaixo do braço. Àquela hora o sol ainda fazia franzir os olhos, ele procurou um banco abrigado, eles um pedaço de relva à sombra.
Deixaram as mochilas encostadas a uma árvore, tiraram a trela ao cão. Ele de livro entreaberto nas mãos, hesitava entre contemplar o singelo espectáculo ou embrenhar-se na leitura. Ficou assim, sentado, o livro preso entre os dedos, absorto na contemplação das brincadeiras da criança com a mãe e o cão.
Cansada de saltos e correrias, a mãe sentou-se, de costas para ele, encostada a um tronco rugoso. As pernas dobradas entre os braços, parecia observar atentamente as palhaçadas. O pequeno aproximou-se, o cão sempre no encalço.
- Boa tarde, minha senhora.
- Boa tarde menino. Precisas de alguma coisa?
- Sim, por acaso até preciso. Sabe dizer-me se podemos nadar no lago?
- Nadar no lago? Não me parece. Mas porquê?
- Queria que o meu cão se refrescasse, e também, molhar os pés.
Ele sorria, perante a seriedade do diálogo, entre um pequeno de cinco ou seis anos, muito compenetrado, escondendo o ar de reguila com modos afectados.
- Nadar no lago não podes. Mas tens um camaroeiro?
- Não…. Disse o pequeno desapontado
- E tens dinheiro?
- Tenho uma moeda. Porquê?
- Porque se a tua moeda me agradar, vendo-te um camaroeiro e ensino-te a pescar.
- No lago?
- Não, no riacho. Do outro lado da ponte.
O miúdo olhou para a ponte de madeira. Do lado de lá brilhava um risco de água fresca, que alimentava o lago do lado de cá. Tirou prontamente a moeda do bolso, resistindo às investidas do cão que pensava sem dúvida tratar-se de qualquer guloseima.
- Só tenho esta moeda. Se calhar não chega….
- Essa? Claro que chega, e ainda te dou troco.
Tirou da mochila um camaroeiro pequeno e devolveu a moeda ao rapazito.
- Agora vou ensinar-te como se faz. Primeiro, descalçam-se os sapatos e as meias.
- Vamos pescar descalços?
- Claro! E de calças arregaçadas! Que diria a tua mãe se chegasses a casa
com os sapatos encharcados e as calças todas molhadas?!
- Pois… sorriu
Descalçaram-se, arrumaram os sapatos e de mãos dadas, seguiram para o riacho. E ele deixou de os ouvir. Ela mostrou-lhe como se apanhavam girinos, e se guardavam num saco, ele tentava em vão que o cão não lhe afugentasse as presas. Com alguma ajuda, encontrou o truque perfeito. Atirar um pão ao cão, que enquanto ia e vinha, o deixava pescar em paz. Depois de ensinada a lição, ela saiu da água e veio na sua direcção.
- Já leu o livro todo, ou o livro não presta? Ou somos nós que o desconcentramos?
Isto perguntado assim de uma tirada, enquanto devagar desenrolava as calças. Ele soltou uma gargalhada.
- Não, por acaso não li. Mas tenciono acabá-lo.
- A este ritmo vai demorar vida e meia!
- Costumo ler mais depressa, quando não aparece quem me distraia.
- Um bom livro absorve-nos, como a terra bebe a água. Não há nada que nos tire de lá.
- Talvez por isso o tenha mantido fechado…
- Mãe! O Max comeu a minha pescaria e molhou-me todo!
- Realmente! Estão os dois muito engraçados. Anda, calça os sapatos,
e vamos para casa tomar banho.
Entre protestos e salpicos o petiz e o cão lá se prepararam.
- Já? Perguntou ele algo desapontado.
- Já, o dever chama. Até amanhã, leitor de brincadeiras.
Deixe o livro em casa e traga umas calças velhas!
E desapareceram, de mãos dadas, a cantar uma canção qualquer, de tubarões e baleias.
Ele fechou o livro e ficou sentado. A olhar para o riacho, que mansamente entra no lago.