Dancing Souls
Novembro 28, 2008
Deitada de barriga para baixo num ramo, vejo passar um cachorro, malhado e com ar de estar perdido. Fareja daqui e dali, levanta o focinho e fica a olhar para mim. Não me vê, eu sei, mas pode sentir-me. Lá atrás vêm dois miúdos ruivos de roupas coloridas, a brincar às escondidas entre os troncos da minha casa. Ela Traz uma cesta que vai enchendo de folhas e ramos. Ele ri-se e enche-lhe o cesto de pedras, porque brilham e ele gosta delas. Ela acha que é um despropósito ser ela quem leva a cesta e ser ele a escolher os tesouros mais pesados. O cão deve achar que são os dois tolinhos, porque ele, que tem um faro muito mais apurado, ainda não encontrou tesouro digno desse nome nem à beira do caminho, nem entre as árvores e muito menos debaixo da erva fria e molhada. Se calhar ainda é muito cedo, e só mais tarde os ossos se vão mostrar. Se calhar.
A fechar a marcha, muito atrasado, vem um casal ainda novo. Entretidos a namorar, vão deitando um olhar distraído às crianças, brincando com os dedos um do outro, usando as janelas do meu palácio de verão para se perderem e encontrarem. Ela é morena, de cabelo comprido, ele loiro, a tirar para o grisalho. As gargalhadas deles ecoam por entre os troncos, as crianças olham para tràs e encolhem os ombros, como se fossem eles os adultos e os pais se estivessem a comportar como crianças. Não que seja novidade. Os pais vivem apaixonados. O menino corre, com uma pedra azulada na mão, e oferece-a de presente à mãe. A menina, para não ficar atràs, escolhe a folha mais bonita para oferecer ao pai. O cão, não lhes querendo ficar atras, enche-lhes as pernas de festas enlameadas.
São raras as visitas humanas. O caminho é fresco e sombrio e nem toda a gente gosta de passar por aqui. E eu gosto que assim seja. Gosto de ficar deitada sem nada em que pensar, deixando que tudo ou nada venha ao meu encontro. Gosto de ficar à espera que as gotas de orvalho escorreguem pelas folhas e caiam no chão. Gosto deste frio inerente, desta sombria solidão. Gosto dos raios de sol, calor intermitente das tardes amenas de verão. Gosto dos despertares lentos, qua a natureza acompanha, gosto do vento que me acaricia e da chuva que passa sem me tocar. Gosto de ser apenas alma e de mesmo assim poder dançar. Entre os ramos e as folhas, entre as copas das árvores mais altas, melodias lentas, mãos e pernas soltas, gosto do vento que me faz girar. E da mão que sempre encontra a minha, fazendo de mim o seu par.
Inspiração : Fábrica de Histórias