...levantou brevemente a cabeça, como se lhe fosse responder mas, entre um suspiro
e um descair de ombros, baixou primeiro o olhar e depois o rosto, voltando toda a sua
atenção para o livro que tinha no colo.
Pelas enormes janelas da sala, via os ramos das árvores que se balouçavam ao vento
e luzes por detrás das cortinas dos vizinhos. Gostava das janelas assim, enormes,
abertas, e gostava de imaginar que a sua casa era, para os vizinhos, como uma tela
viva. Sentia o calor da lareira, via até, lá ao fundo, a lua brincar às escondidas com as
ondas do mar, quem chegava e quem partia, e em noites mais escuras era a luz do farol
que se via passar.
Não lhe disse que lhe era indiferente que ele fosse ou ficasse, que lhe era igual jantar ou
nem por isso. Nem lhe disse que gostava de o ter por perto nem que por vezes se cansava
de ter que estar neste mundo, real e desperto, quando a cabeça dela pedia apenas espaço
para ler, perder-se nas palavras dos outros, emaranhar-se em pontos e vírgulas de cetim,
de terra molhada, de outras vidas, de outors nomes, de outros céus, perder-se até se perder
tanto que só poderia voltar depois de se encontrar...não lhe disse, que sem livros, que sem
escrever, que sem palavras, se perdia e morria como quem não respira e que só queria respirar
e estar viva para estar ali, naquela vida, naquela casa, nos braços dele...e se voltar a perder
em leituras e escritas e fantasias...para se voltar a encontrar no sorriso dele.
suspirou, fechou os olhos e adormeceu, numa tela real,
contida pelas janelas, iluminada pelo céu.