Última noite em Sevilla
Janeiro 03, 2008
Chegaram ao anoitecer. O quarto, que não era o de sempre, pareceu-lhe velho e sombrio. Lá fora as luzes da cidade, cá dentro um calor abafado e insuportável.
Tomaram um duche rápido, por entre vapores e palavras, apenas as necessárias, e saíram. Percorreram em silêncio as ruas estreitas que tão bem conheciam, até chegar ao restaurante. Que também não foi o de sempre. Abrigado nas muralhas do castelo prometia sabores autênticos em quadro de encantar. A escolha da refeição não foi consensual, ele faminto e aventureiro, ela sem fome, apenas desejosa de comer e descansar.
O barulho da multidão cada vez mais densa infiltrava-se por entre as mesas, atingia e incomodava. Depois de uma sobremesa recusada e de um café insípido, pagaram e seguiram caminho. De todos os cantos chegavam vozes e risos que contrastavam com as caras do par que seguia, silencioso e afastado, entre as vielas. Desembocaram na praça. Foram abraçados pela multidão, por entre gritos e copos de bebidas de cores e cheiros duvidosos. Atravessaram e seguiram rumo ao rio, aos relvados serenos, tentado fugir aos alegres do botellón para talvez enfim conversar.
A cidade estranhamente estava fria, ou ela assim a sentia. As cores não eram as mesmas, nem os cheiros, nem os caminhos por onde seguia. Amava a vida daquela cidade, a alma cigana que cada pedra exalava, os segredos contidos entre pátios e sacadas. Aqui tinha dito que sim a uma vida em comum, aqui tinha firmado o pacto e aqui voltava, agora, na esperança que sentia vã, de recuperar o que outrora os aproximara tanto.
Voltaram para o quarto em silêncio, ela tomou outro duche, ele deitou-se na cama. Ela também, ainda molhada. Ele tentou abraçá-la, ela afastou-se, de costas voltadas. Adormeceram em silêncio, na magia da noite sevillana que outrora os encantara. E definitivamente quebraram o laço que os unia, numa cama num hotel sem nome, num quarto repleto de espaço cheio do nada que ao fio dos anos os prendera e afastara.
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