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Lazy Cat

No meu cérebro vive um caos sinfónico de ideias desordenadas. Num harém simbólico, todas concorrem -APENAS- pelo teu olhar deslumbrado...

Lazy Cat

No meu cérebro vive um caos sinfónico de ideias desordenadas. Num harém simbólico, todas concorrem -APENAS- pelo teu olhar deslumbrado...

Gitano

Janeiro 06, 2008

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As primeiras notas acabaram de encher o espaço onde guardava lembranças e amarguras entre imagens dispersas e raios de sol hesitantes. E uma torrente de água morna inundou-lhe o rosto sem que sequer se apercebesse.

 

Ao ritmo das guitarras lavou imagens esbatidas, lavou memórias, limpou a cinza da vida. Em reverência silenciosa deixou que se lhe escapassem da alma todas as mágoas e todas as certezas, deixando-a em branco, lavada de impurezas.

 

Procurou um lenço atrapalhada, quando sentiu o sal na boca. Uma mão saída do nada estendeu-lhe um.

 

- No tíenes más por que llorar Gitana.

 

Aceitou o lenço oferecido, secou a cara. Levantou os olhos, descobrindo o estranho sentado na outra cadeira. Um copo meio cheio à sua frente, sinal que sempre ali estivera. Mas não ela. Estava noutra dimensão, noutro mundo, noutra hora. Ali, acabava apenas de chegar.

 

- No soy Gitana.

- Nadie que no lo sea llega a esta casa!

 

Endireitou-se na cadeira, tomando consciência que podia não ser bem vinda ao local, não sendo cigana. Lembrou-se do rapaz de olhos de velho. Nem sabia o nome dele…

 

- Me trajo un chico. Paseaba junto al río.

 

- Gitana…aunque no lo quieras ser, aquela voz de veludo... el ser gitano no está en nada más que en esta luz que te puntea el alma. Aúnque te mueras mil veces y otras tantas vuelvas a resuscitar, tienes alma de gitana y  partir de esta noche, jamás lo poderás negar.

 

Levantou-se, estendendo-lhe a mão para que o imitasse. Ouviu-se um burburinho na sala.

 

- Tranquila muchacha, estás en mi casa. Y entre mis hermanos y hermanas.

 

Ele virou-lhe a cadeira, e mandou-a sentar. Os músicos preparavam-se para recomeçar, tomadas as copas. Sentou-se, as mãos nas costas da cadeira, tão direita como elas. De novo se fez escuro, de novo se fez silêncio, de novo notas langorosas de guitarra surgiram no ar.

 

Como num laivo de lucidez latente pensou em sair. Levantar-se e sair. Fugir da música, fugir da vida, fugir de tudo o que a atraía e mantinha naquele lugar.

 

Primeiro a perna, que se encostou à sua. O calor daquele peito nas costas, o cheiro, o calor da respiração calma. O corpo dele moldado no dela, sentados na mesma cadeira, respirando a um tempo só. As mãos, os dedos longos que soltaram os seus e lhe esticaram os braços,

 

- Abraza a la musica Gitana, como a un amante. Déja-la que se haga tú.

 

Entre os acordes que se entranhavam na alma e aquela voz rouca e envolvente, entre o liquido dourado que lhe tinham trazido e aquele corpo quente e palpitante, deixou entrar cada nota e cada silêncio daquela noite inebriante.

 

E deixou de ter corpo, deixou de ser, sendo apenas movimento cadenciado por outro alguém. Não havia pensar em passado ou presente, apenas a urgência contagiante de se mover.

 

Ergueu as mãos ao céu, e como se o tivesse sempre feito, balançou ao ritmo das guitarras cada vez mais presentes, ao timbre de uma voz de certa forma distante que lhe sussurrava ao ouvido:

 

- Baila Gitana, baila para tu amante!

 

Tinha vaga consciência de olhares entre os movimentos e de um par de olhos dourados, de mãos que marcavam o ritmo de pés que não sentia seus. E dançou como quem renasce entre cinzas e adeus, dançou com alma, com a força que se renova a cada ciclo que se fecha, abrindo portas e janelas aos desígnios dos céus.

 

E quando se desfez a última nota em riscos de fumo branco abriu-se a porta, que lhe estava diante, e foi de mão firme que a trouxe até à rua.

 

- No la dejes que se pierda muchacho.

 

E o rapazinho de olhar velho encostado ao muro tomou-lhe a mão, naquele lugar agora escuro, um dedo em sinal de silêncio, andando sem parar. Chegados ao banco onde a encontrara procurou-lhe os olhos:

 

- Díme quien era por favor.

 

Brilhou uma luz nos olhos escuros, devolvendo-lhe um ar de menino.

 

- El que siempre será su Gitano… Señora.

 

 

 

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