it is just that sometimes...
Abril 19, 2012
Os sapatos vermelhos estavam arrumados a um canto e o vestido atirado
para o chão. A capa cobria quase toda a cama e só deixava ver cabelo.
Longos cabelos pretos que deslizavam até ao chão. O luar desenhava
arabescos móveis nas paredes e dava a todo o quarto um ar etéreo, como
se tudo fosse apenas um filme quase esquecido ou vestígio de um sonho.
Havia música ao fundo desta visão, funk, ou jazz, ou blues, em surdina.
Cheirava a café e de vez em quando ouvia-se telintar de copos. Uma luz
difusa chegava até à porta do quarto, parando à soleira, como se algo a
impedisse de entrar e, a fita de fumo pairava também, misteriosa, hesitante.
"Como será o que não vejo?" pensou, o olhar preso à curva do pescoço, à
pele dourada do ombro que desaparecia dentro do lençol. "e quem consegue
dormir numa noite destas?"
Seguiu pelo corredor fora, ainda a pensar na porta entreaberta, sem saber
exactamente se tinha sido uma miragem, uma ilusão, um sonho?
A conversa continuava, os instrumentos momentaneamente descansados,
adormecidos entre nuvens de fumo e vapores de bourbon e cerveja.
Falava-se de vida, de memórias, de afectos. Falava-se de como umas coisas
mudam e outras se perdem, do valor de saber estar por perto...mas ele já
não estava na conversa. Rodopiavam-lhe na cabeça longos cabelos negros,
deslizavam-lhe debaixo das mãos ombros macios e dourados e só já ouvia
um riso quente e rouco enquanto o seu corpo dançava, encostado ao dela,
ao ritmo do mar.
Sentou-se, encostado à parede, mangas de camisa arregaçadas, uma
cerveja e um copo na mão...
As conversas amainaram, os instrumentos voltaram à vida, e neste sonho
desperto ficou a vê-la dormir e ouvir jazz, terna, eternamente...