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Lazy Cat

No meu cérebro vive um caos sinfónico de ideias desordenadas. Num harém simbólico, todas concorrem -APENAS- pelo teu olhar deslumbrado...

Lazy Cat

No meu cérebro vive um caos sinfónico de ideias desordenadas. Num harém simbólico, todas concorrem -APENAS- pelo teu olhar deslumbrado...

Simple life

Setembro 06, 2012

Já estão habituados a vê-los passar. Ela sorri e ele, um passo atrás dela, finge caminhar distraído enquanto olha para ela e sorri, quase sem se dar por isso.

 

A conversa é sempre animada, sejam as novidades do dia de cada um ou outros assuntos, há sempre lugar a gargalhadas e sorrisos rasgados. Alguns ainda param e ficam a vê-los passar, só, sem mais nada, interrompendo conversas, perdendo o fio à meada.

 

Da janela do terceiro andar do prédio verde, ao fim da rua, espreita meia escondida meia revelada, uma rapariga imponente, de cabelo escorrido, um cigarro preso entre os dedos e um ar de nostalgia pendurado nos lábios. Ela faz sempre de conta que não a vê e ele, atrasa o passo, vira-se para a janela e sorri-lhe.

 

A matrafona do prédio em frente pisca-lhe o olho, sempre com ar de aprovação e com uma inveja – fingida - da companhia. Também ele gostava de ter um homem “com quem caminhar na tarde”, diz-lhe.

 

Mais à frente, quase a chegar ao rio, os empregados do restaurante grande, mostram-lhe sorrisos tímidos enquanto a ele lhe apertam a mão num gesto corriqueiro acompanhado de um parco e lento "- está tudo?"  Parcimónia da raça masculina…

 

Da ponte se vê já o jardim que os passageiros do comboio atravessam, rumo a casa ou qualquer outro destino. Eles, vagamente atentos às vidas alheias, partilham o caminho, os risos, os sorrisos. As brincadeiras. A praia, logo ali em baixo, vazia de gente, o mar que se estende até à outra margem, se funde com o rio, numa dança ligeira e pinceladas de prata.

 

Não concordam em quase nada! Mas caminham com o mesmo passo calmo, mantendo-se perto. De vez em quando avançam até de mão dada. Fazem caretas aos cães que passeiam de trela. Ele, disfarçadamente, sorri às donas dos mesmos, ela finge que não dá por nada. Ou fala de assuntos práticos que requerem uma resposta imediata.

 

Descobrem, entre camadas de graffiti, pequenos tesouros que vão fotografando. Pedaços de vida, de vidas que ela recolhe e colecciona, com os quais se espanta e inspira, se entristece, por vezes. Ele descarta todas as memórias que não possa trazer consigo. Ela acumula pontas de fio, de linha, recortes de papel, de tecido. Fotografias de lábios. Palavras rabiscadas em guardanapos. Pedras com forma de coração. Brancas. Cinzentas. Pintadas com letras coloridas. Gravadas. Esculpidas. Frases roubadas de livros há muito lidos. Conchas em jarras de vidro.

 

Sentam-se, lado a lado, lá ao fundo e falam dos artistas e das tendências. E de tudo o que se pode fazer num fim-de-semana. E dos livros que ele não lê. Dos que ela espera ter tempo para ler. De todos os projectos que se lhes atropelam na cabeça. Das tintas e meias tintas com que se pinta a vida que partilham. Por vezes. Às vezes. Por momentos, fragmentos. E porque sim, e por agora. 

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