Estranha forma de Amar
Janeiro 27, 2008
O amor e a vida tinham ficado na casa velha. Amontoava coisas na casa nova. Hoje a máquina de lavar, amanhã o aspirador. Não havia molduras nem fotografias. Nem quadros nas paredes. No escritório um semblante de vida, entre papéis e computador.
A cama continuava desfeita apenas de um lado, e era o de sempre. Não tocava no dela. Para jantar havia sempre companhia. Um amigo, algum colega. Para dormir, era preciso que o cansaço o vencesse e a cama lhe soubesse melhor que outra sorte.
Não a encontrava naquele espaço, mas de certa forma ela não se ia
embora. Nada que fosse dela tinha vindo para ali, mas o cheio dela
parecia pairar no ar, à porta. Quem sabe à espera de um convite para entrar….
Sacudia os ombros ao rodar a chave, e deixava o cheiro na rua, pondo mãos à obra, numa vida que agora era só sua. Reencontrou o tempo de ler. O tempo de ouvir. Redescobriu um prazer antigo, que lhe permitiu renascer.
Fez da vida que tinha uma página conhecida, a não reler.
Ela ficou na casa antiga, povoada de memórias e fantasmas. Encontrando a cada passo o cheiro de alguém que amava. Numa estatueta uma ilha, num quadro um olhar, num livro esquecido, ou deixado ao acaso, um história de vida a lamentar.
Fez do mau tempo companheiro, da melancolia aliada, fechou portas e janelas e manteve a luz apagada. Apenas saia à tardinha, sempre bem apresentada, subias as escadas e ficava ali, à porta, a sonhar que um dia também entrava.
Via-o chegar todos os dias, de mão na boca, para se manter calada, não fosse ele algum dia, trazer namorada. Não tinha horas, por vezes a espera era longa. Mas nunca desistiu de o ver chegar. E só saia depois da última luz da casa se apagar.
E retomava o ritual, a cada dia, a cada semana, fazendo uso na casa que tinha apenas da cama, onde todas as noites procurava um abraço conhecido, e apenas lençóis e vazio encontrava. Embrenhou-se numa vida que já fora. E deixou de viver.
Fez, da vida que tivera um dia, a única digna de se viver….