Lazy Cat Post from the heart #1
Setembro 07, 2012
Há comboios que atravessam a nossa vida levantando vento e pó e nos despenteiam o cabelo. Deixam-nos aturdidos e sem certezas de terem sido reais e, no silêncio que se faz depois, encontra-se paz. Nem chegam a causar danos. Passaram. Lembramo-nos deles e sorrimos.
Há os muito longos que passam devagar e nos dão tempo de espreitar. Entre carruagens cheias, vazias e assim-assim, descobrimos tanto pelas suas janelas! Queremos tanto ser parte de algumas das cenas, mas o comboio não para. Este é o comboio de todas as possibilidades.
Há comboios que param todos os dias. Todos os dias abrem as portas. Todos os dias fecham as portas e seguem. Acho que este é o comboio das coisas pequenas. Daquelas pequenas coisas que estamos sempre a tempo de melhorar. Daquelas coisas pequenas, de todas as coisas pequenas de que a vida é feita todos os dias, várias vezes por hora. Todas as coisas que podemos mudar a qualquer momento de qualquer dia, de qualquer vida. Falo de coisas muito pequenas.
De dizer bom dia ao porteiro do prédio, ao vizinho que sai ao mesmo tempo que nós, de sorrir, agradecer. De sorrir a quem nos traz café. De cantar a plenos pulmões aquela música que nos irrita e passa todos os dias na rádio logo de manhã! De apanhar o casaco da senhora que toma café à nossa frente, que caiu das costas da cadeira e se está a encher de migalhas. Muito mais simples ainda! Falo de começar o dia com um "bom dia" e não outra palavra qualquer! Se acompanhado de um beijo, então ainda melhor! Pequenas coisas como aproveitar o trânsito para aprender ou melhorar o inglês. O francês. De se manter o carro na mesma faixa até meio do percurso pelo menos, deixando passar quem tenha muita pressa, com sorrisos (em inglês)!
As pequenas, minúsculas coisas. Ajudar as crianças a calçar os sapatos, em vez de lhes lembrar - em tom zangado - que já deviam estar prontas. Reservar dois minutos por dia para olhar pela janela de casa, do escritório, do carro, para o céu. Só o céu. Deixar cair para dentro da lancheira, de vez em quando um chocolate, umas gomas ou um bilhete de amor! Nunca tomar decisões até ser pelo menos meio-dia! Não dizer que sim sem ter a certeza. Nunca recusar um abraço. Não adormecer com o coração desconsolado.
Acho que este comboio, constante, certo, paciente, é o comboio mais importante de qualquer vida. Aquele que nos ensina que se hoje fechamos o dia a sorrir por uma pequena coisa, amanhã o podemos fazer por outra razão e que, de dia em dia, teremos muitas razões para fechar os olhos a sorrir porque o comboio das oportunidades passa, todos os dias, várias vezes ao dia e há sempre SEMPRE lugar para nós.
Nesta mesma estação, onde todos os dias temos a possibilidade de nos reinventar, passam outros comboios. Alguns deles fecham-nos a porta se tentamos entrar. Talvez carreguemos demasiada bagagem, o comboio vá cheio, ou simplesmente nos falte saber como manter aberta a porta para poder entrar.
Passam também comboios que param. Abrem as portas. Fecham. Voltam a abrir. Avisam que estão de saída. Fecham as portas e vão. E, distraídos a vê-los ir, não olhamos pelas janelas, entramos no comboio regular sem lhe dar valor, sem sorrir, presos a um comboio que já foi embora. E no dia seguinte, o comboio volta. E voltamos a não entrar. A hesitar, ou até a deixá-lo deliberadamente ir. Já tivemos uma segunda chance. Este comboio nunca mais vai voltar. E acresce uma carruagem ao comboio que passa sempre lentamente mas sem parar.
Depois há comboios que apenas passam uma vez. São muito raros, viajam pelo ar. Apenas visitam algumas estações, de tanto em tanto tempo, mas são muito fáceis de apanhar. Só é preciso dar um passo. E o comboio leva-nos para outro lugar. Pode ser outra estação. Onde passam comboios do tipo regular. Alguns que se demoram, outros que passam ser parar. Alguns que regressam, outros que nunca mais vemos passar.
PS: Acho que faltou falar de outro comboio importante: o das viagens longas. Quem sabe num próximo "Post from the Heart"??